Entrevista a Rui Cortes, professor catedrático da UTAD

Abril 5, 2023 | Economia

“EXTRAÇÃO DE LÍTIO A CÉU ABERTO COMPORTA RISCOS GRAVES”

 

Portugal é um País inteligente? É um território organizado, inclusivo e sustentável?

Uma pergunta difícil, mas do ponto de vista ambiental não é um país sustentável e será cada vez menos à medida que as alterações climáticas se vão fazendo sentir com maior intensidade. Repara-se que os fogos florestais se tornam incontroláveis em todos os períodos estivais mais secos e quentes, onde cada vez mais se ultrapassam os 100.000 há-de área ardia. Note-se que em 2022 foram mais de 22 mil hectares que arderam, apenas numa única semana e num só local – o Parque Natural da Serra da Estrela. Por outro lado, associado com os fogos florestais vêm os problemas erosivos e a desertificação. Este fenómeno da desertificação está relacionado com os fatores climáticos, mas também com as atividades humanas, nomeadamente a sobre-exploração da água e dos solos pela agricultura superintensiva, ou com o uso excessivo dos agroquímicos. Mas se virmos as sucessivas políticas governamentaisnotamos que tem havido uma desvalorização da Rede Ecológica Nacional e da Reserva Ecológica Nacional, destruindo-se territórios de grande interesse conservacionista. Por outro lado, aumenta-se ainda mais a área destinada à agricultura intensiva e o correspondente uso da água, designadamente com o projetado aumento das áreas de regadio (veja-se o plano Tejo que prevê mais 6 barragens), ou seja, temos um planeamento que segue uma direção completamente oposta à cada vez maior escassez de água. Note-se que os 6 anos mais secos de sempre foram registados nos últimos 20 anos…

Como analisas o presente e o futuro das indústrias extrativas no nosso território, nomeadamente a estratégia de exploração do lítio, aprovada em 2018 pelo governo do PS? Lembrando que o valor de produção desta indústria, que cria prejuízos ambientais e sociais, poderá valer mais de dois mil milhões de euros por ano e que emprega/empregará mais de 12.000 pessoas, como anular os impactos associados a este negócio?

Existe uma visão dos políticos que nos dirigem e dos principais agentes económicos que o interior serve apenas para a exploração dos recursos naturais, seja para a extração do lítio, para construir barragens, espalhar painéis fotovoltaicos ou eólicas, ou ainda para a monocultura do eucalipto. Falei atrás na desertificação do território, mas preocupa-me também a desertificação humana. Como não foi definida uma política que desse autonomia às Regiões, todos os lucros destas explorações são drenados e não ficamonde é necessário. Qual o emprego fixo gerado com aquelas atividades? A mão de obra criada limita-se praticamente à fase de instalação. Pior, as áreas submersas pelas albufeiras ou cobertas pelos painéis fotovoltaicos implicam a deslocalização das atividades económicas aí existentes e a destruição dos habitats. O mesmo acontece nas áreas sujeitas a fogos florestais recorrentes, onde, ao fim de algum tempo, com a perda de solo os terrenos ficam completamente inférteis.

A extração do lítio, bem como de outros metais raros, como qualquer outra operação de mineração, tem impacto no ambiente. Os processos extrativos a céu aberto, como é o caso de muitas das propostas apresentadas, comportam riscos graves. Saliento a intrusão na paisagem natural e a destruição dos ecossistemas e dos valores naturais como resultado dosprocessos de extração, mas também pelotratamento e transporte do minério. Refiro a libertação de partículas em grandes quantidades sobre a vegetação envolvente num grande raio de influência, as quais afetam também a saúde das populações vizinhas, aliás, só a magnitude do ruído nas zonas envolventes tornará a vida insuportável para muitos habitantes. Os próprios aquíferos e linhas de água superficiais, são afetados, diminuindo a qualidade da água para a agricultura e abastecimento público. É um facto que as concessões irão originar rios de dinheiro. Mas o que fica no território? E como se compensará a degradação do ambiente?

 

Qual é a melhor forma de conciliar os interesses estratégicos da UE pelo Lítio e por outros negócios, nomeadamente pela geração de energia fotovoltaica, com a sustentabilidade ambiental e a defesa dos interesses das populações que residem nas áreas propostas para tais explorações?

Creio que na resposta anterior já enquadrei este problema. A Regionalização seria muito importante para a defesa dos interesses das populações. A questão é que as renováveis por si só não vão resolver o problema do aquecimento global, apesar de permitirem alguma mitigação a nível de emissões de gases de efeito de estufa. A verdade é que o capitalismo precisa dum crescimento contínuo, dum aumento contante da produção e do de consumo (o chamado produtivismo), razão pela qual o 6º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas _IPPC_ reportou um aumento global de emissões em 1,3% na última década. Na verdade é impossível equacionar a sustentabilidade ambiental num cenário de manutenção do sistema capitalista, por mais que o designado capitalismo verde ou ecocapitalismo, para o qual a tecnologia tudo pode fazer, designadamenteteria a capacidade de fazer infletir o aquecimento global, em conjunto com os mecanismos de regulação (que melhor exemplo do que o mercado do crédito de carbono, em que um crédito vale uma tonelada de dióxido de carbono equivalente). Na verdade,apesar destas ideias sedutoras, caminhamos para o abismo…

 

Qual é o problema da nossa floresta, que é 85% propriedade de privados?

O problema não é só apenas 2% da floresta pertencer ao Estado. A restante propriedade (exceto a propriedade comunitária / baldios, que ocupa 13%), é na maioria minifúndio. Por exemplo, no Norte do país a propriedade média não ultrapassa os 0,5 ha. Se disser que uma exploração florestal para ser rentável necessita entre 4-5 ha, é fácil perceber a razão pela qual a floresta se encontra ao abandono. Portugal é mesmo o país da Europa onde o Estado detém menos propriedade, o que complica também ações integradas para criação duma floresta mais resiliente em larga escala. É uma situação que já vem do século XIX, onde, com o fim das ordens religiosas (a Igreja detinha mais de 70% da floresta…), através de leilões a propriedade passou para particulares. Estes foram dividindo as propriedades através dos testamentos sucessivos, até chegarmos a uma situação de propriedade extremamente reduzida, pulverizada e sem emparcelamento, e em que se perdeu em muitos casos o conhecimento dos verdadeiros donos (ausência de cadastro ainda em mais de 30% da propriedade rural). Os outros países criaram mecanismos para evitar esta divisão extrema da propriedade de geração para geração, mas entre nós isto apenas surgiu há 4 anos atrás.

Portanto o desígnio tem de ser a agregação da propriedade, devendo ser criados mecanismos de forte apoio à criação de Associações Florestais, Zonas de Intervenção Florestal ou Unidades de Gestão Florestal. E esse apoio é escasso…Muito se melhorou neste campo do associativismo, mas longe de ser suficiente. Um aspeto que reputo de grande importância é a recente criação dos Planos de Reordenamento da Paisagem (PRGP), que procuram transformar as zonas de elevado risco de incêndio. Foi introduzida a figura da remuneração dos serviços de ecossistema, isto é o proprietário é remunerado se proteger a sua floresta e incrementar o seu valor para a biodiversidade, proteção do solo ou armazenamento de água. Deste modo, procura-se que, em vez da procura por espécies de rápido crescimento, tenhamos um ecossistema florestal mais diverso, de elevado valor ambiental e resistente aos incêndios. Vamos ver como isto vai ser aplicado…o processo encontra-se em elaboração, há dinheiros do PRR para esses PRGPs até 2030, mas…

 

Que caminho estás disposto a percorrer para lutar contra o neoliberalismo; a favor das conquistas de Abril?

O neoliberalismo é atrativo para os jovens pela maneira como tem vindo a ser vendido. A ideia do individualismo atroz, de triunfar e enriquecer rapidamente, a ilusão do empreendedorismo, das start-ups, dos nómadas digitais e das web summits, tudo isto é veiculado pelos gurus da economia e por toda a comunicação social, obviamente financiada pelo capitalismo. Para essa gente, o Estado tem de emagrecer, é necessário privatizar tudo, pagar menos impostos e fechar os olhos à evasão fiscal, apelidada pelo chico espertismo de “engenharia financeira”. Aliás, é o que se ensina nas Universidades, designadamente nos MBA,onde são inculados de modo acrítico os modelos neoliberais vindos de universidades americanas. financiadas pelos patrões da finança e da indústria (foi assim que surgiu a Escola de Chicago que tanta miséria criou nos EUA e na América Latina). Gastar no SNS, na proteção social, na integração dos imigrantes, em bolsas para os estudantes, tudo isso é supérfluo…É afinal a competição que vai fazer emergir os melhores, isto é, se não vences não prestas e se acreditares em ti vais enriquecer. Como é que a IL tem tantos votantes e a Cristina Ferreira enche o Altice Arena? De facto, após Abril de 1974 milhões procuraram criar uma sociedade mais justa mas, ao contrário, a ideologia neoliberal capitaliza exatamente a miséria social e o descontentamento que criou para manipular esses descontentes no sentido duma sociedade cada vez mais desigual, intolerante e manipulada através os meios de comunicação e das redes sociais.

Luís Mouga Lopes

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