“Somos poucos. Uma dúzia ou talvez menos. Isto sem contar com os clandestinos que às vezes aparecem por aí para nos dar cabo do negócio”. Quem assim fala são arrumadores de carros, a operar ilegalmente em algumas ruas e avenidas da cidade de Viseu, que perante a catadupa de multas aplicadas pela Polícia Municipal, por falta de licença, têm vivido as últimas semanas num verdadeiro jogo do gato e do rato para escapar à autoridade. Sem forma de ganhar a vida de outra maneira, e sem dinheiro para aguentar as coimas aplicadas, prometem juntar-se e ir à Câmara pedir a legalização da actividade. “A única forma”, dizem, de pôr fim a uma situação que, em última caso, pode acabar nos tribunais e obrigar alguns a passar um tempo na cadeia.
“Como não podemos pagar as multas, por falta de dinheiro, acabamos por ir parar à prisão. Quem sairá a perder é o Estado, que gastará muito mais connosco na cadeia do que o valor das coimas. Com a legalização todos saem a ganhar”, atira um jovem, de 30 anos, que tem no seu currículo uma multa de 60 e poucos euros, que conseguiu pagar, e uma outra, entre os 60 e os 300 euros, montante ainda não determinado, que não pensa pagar por falta de dinheiro.
“Sou sozinho, vivo num quarto, e tenho uma filha pequena entregue aos avós. As moedas que vou recebendo como arrumador de carros, dão para pagar o quarto e nem sempre chegam para meter qualquer coisa no estômago e enganar a fome. Se tiver de pagar as multas, será a miséria total”. Com a escolaridade obrigatória, reconhece que é difícil encontrar trabalho na agricultura. “Quando posso vou até Espanha ou França para a apanha de fruta. Aqui não tenho para onde me virar. Ser arrumador de carros pode dar-me entre 10 a 15 euros por dia. O mínimo para conseguir sobreviver”, relata.
Outro arrumador de carros, normalmente visto na zona do Palácio do Gelo, já tem na sua posse a contra-ordenação que o notifica para o pagamento de 136 euros, resultado do cúmulo de duas multas que lhe foram aplicadas, mais uma vez, como se lê nos documentos, “por se encontrar a praticar a actividade de arrumador de automóveis sem possuir licença para o efeito”.
“Castigam-nos por não termos licença, mas não nos dizem onde pedi-la como fazem com os vendedores ambulantes. E como acontece, aliás, em várias cidades portuguesas onde esta actividade está legalizada”, sustenta um outro arrumador, natural de um concelho do distrito de Viseu, que depois de andar por outros pontos do país, e de estar a “conseguir vencer” problemas de toxicodependência, promete tocar a reunir, junto dos colegas, “para irmos à Câmara apelar ao presidente Fernando Ruas que legalize o nosso trabalho”.
Os arrumadores de Viseu ocupam parte do dia a ajudar os automobilistas a encontrar um lugar para deixar o carro. “Graças à nossa presença, muitos deles não são assaltados nem vandalizados. E não pedimos nada às pessoas. Cada um dá o que quer e o que pode”, diz um dos jovens, que gostaria de poder trabalhar com mais segurança. “As pessoas continuariam a dar na mesma o que pudessem, e nós não teríamos de andar sempre a fugir da polícia camarária”.
Ao VR, o vereador do pelouro, Hermínio Magalhães, referiu que a actividade não está licenciada, cumprindo-se, nestes casos, o que a lei dita. O responsável mostrou-se, no entanto, sensibilizado, para analisar o caso, tendo em atenção, segundo os Relatórios de Gestão da Câmara de Viseu, que em 2010 foram levantados 22% de autos em resultados desta actividade ilegal, percentagem que em 2011 atingiu os 21,5%, só superada pela venda ambulante que ficou à frente com 57,8 por cento dos autos instruídos.
Mal amados por muitos automobilistas, também há quem tolere o papel dos arrumadores. “Os tempos são de crise profunda e eles não podem morrer à fome. Depois, sempre nos tomam conta do carro enquanto andam por ali. É caso ara dizer que, do mal o menos”, atira Ofélia Gonçalves, enquanto procura no porta-moedas a gratificação que há-de depositar na mão de um antigo arrumador, também ele às voltas com mais de meia dúzia de multas para pagar.