Ainda Agosto se espraiava sob o Sol modorrento e já um grupo de cidadãos de diversas áreas – investigadores, artistas, desempregados – preocupados e indignados com a “austeridade que nos impõem e que nos destrói a dignidade e a vida” convocaram, nas redes sociais, uma manifestação em Lisboa contra a Troika. “Se nos querem vergar e forçar a aceitar o desemprego, a precariedade e a desigualdade como modo de vida, responderemos com a força da democracia, da liberdade, da mobilização e da luta. Queremos tomar nas nossas mãos as decisões do presente para construir um futuro”, lê-se no seu manifesto.
Quando Passos Coelho anunciou, na passada sexta-feira, mais medidas de austeridade o número de aderentes aumentou exponencialmente e são mais de 32 mil pessoas a confirmar a presença nas manifestações que entretanto foram sendo convocadas noutras cidades: Porto (mais de 15 mil confirmações), Braga, Coimbra, Aveiro, Guarda, Vila Real, Moncorvo, Castelo Branco, Covilhã, Leiria, Faro, Portimão, Loulé, Funchal, Viseu e ainda no Brasil, em frente ao consulado Português em Fortaleza.
Os promotores apelam aos que não puderem participar directamente em nenhuma das manifestações para que não deixem de expressar a sua indignação, ainda que de forma menos activa. “Cole-se um cartaz à janela (de casa, do carro, no chapéu de sol na praia) com o slogan “Que se Lixe a Troika! Queremos as nossas Vidas”.
Mas certamente que os viseenses irão encher o Rossio, como fizeram no 12 de Março, contra os ataques ao Estado Social e contra a austeridade imposta pelo governo de Sócrates, antes ainda da Troika ter aterrado na nossa longa e larga complacência com as “máfias” que nos têm governado alternadamente, conduzindo o país para a insustentabilidade económica.
Agora, já nem os ditames da Troika ilibam o governo de conduzir o país para o abismo, aliando a incompetência à estupidez. O ministro das Finanças, apesar da Troika ter concedido mais um ano para a redução do défice para menos de 3%, precisando apenas de 850 milhões de euros para o fazer descer dos 5% deste ano para os 4,5% combinados com a Troika para 2013, quer pôr-nos a pagar seis vezes mais, talvez por já não acreditar assim tanto na sua receita que tem vindo a agravar ainda mais a recessão que está a matar os portugueses. Digo matar, não apenas em sentido figurado (“matar à fome”), mas também no sentido literal: em cada 4 dias suicida-se um português!
A situação social é tão grave que o governo PSD/CDS viu as medidas anunciadas criticadas até por gente da sua área política. Desde ex-ministros do PSD e do CDS, até à JSD e aos TSD. Bagão Félix denunciou a subida da contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social como “um imposto puro e duro”, e as alterações no IRS como “um aumento violento da carga fiscal”, desmascarando, assim, o falso “álibi” do CDS para fingir que não está no local do crime, depois de Paulo Portas ter escrito aos militantes a dizer que não aceitaria mais subida de impostos. Ou o CDS se demite do governo ou é cúmplice, tal como o silêncio presidencial, deste vergonhoso roubo aos pensionistas e aos trabalhadores (até o Salário Mínimo Nacional descerá para 397 euros líquidos, menos 34 euros por mês).
As confederações patronais e a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição já desmentiram Passos e Gaspar, ao garantirem que não vão criar mais empregos, dado que a redução da TSU não compensará a quebra nas vendas devida à perda ainda mais acentuada do poder de compra dos clientes.
Ao PS não basta para, dar um ar de esquerda, que Seguro deixe votar contra o próximo Orçamento de Estado – é preciso que rasgue o memorando que assinou com a Troika por as medidas implementadas violarem o quadro constitucional.
E aos mais fanáticos neoliberais que dizem que a Esquerda não apresenta alternativas, basta lembrar que os 3.446 milhões de euros que o governo descobriu terem sido transferidos ilegalmente para offshores, por capitalistas a quem cobrou apenas 7,5% em troca dos 8 anos de prisão, se pagassem os mesmos impostos que qualquer trabalhador, dariam ao Estado 2 mil milhões de euros, sensivelmente a mesma importância que o governo tirou aos trabalhadores da Função Pública e aos reformados.
O isolamento de Passos e Gaspar é gritante e deviam levá-los à demissão. Mas, como a vergonha também já deve ter emigrado, têm de ser os portugueses que ainda por cá vão resistindo a tornar mais claro que este governo já não tem condições para continuar a desgovernar Portugal.
Carlos Vieira e Castro
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