Na montra da Churrascaria Magnólias, na Rua César Anjo, em frente ao Bloco F do Bairro 1º de Maio, cartazes anunciam “memórias de um bairro”, uma colecção de fotografias da Foto Germano, do Bairro Municipal de Viseu, pouco depois da sua inauguração em 1948. Naquelas fotografias a preto e branco pode ver-se o aspecto original do bairro, ainda sem os jardins à frente das casas, apenas com a delimitação dos espaços onde iriam crescer os buchos, as árvores ainda imberbes, quase estacas, tudo muito limpo e ordenado. O chafariz surge destacado numa série de fotos com vários miúdos a beber a água que jorrava sem restrições. Também as fotos dos vários alunos e alunas da escola primária do bairro devem humedecer os olhos aos mais idosos que ali se reconheçam.
Não será o caso da Dona Fernanda, com os seus 90 anos de idade, cheios de lucidez e vontade de viver, de continuar a viver ali, no seu bairro, por cujas ruas bordejadas de cedros e plátanos passeia todos os dias, actividade quotidiana a que atribui a sua longevidade e saúde locomotora. Ou do senhor António Figueiredo, com 79 anos, que perante as casas deitadas abaixo pelas rectro-escavadoras, suspira: “Até me dói a alma”.
O senhor Luís Santos, que ali morava há 56 anos, lamenta que o tenham realojado no Bairro 1º de Maio, obrigando-o a desfazer-se de mobiliário e de um fogão de lenha que não cabia no apartamento. Preferia ficar ali, no bairro onde foi cumprimentar os antigos vizinhos e amigos, as suas memórias, se a autarquia tivesse feito obras nas casas, mas “desde que cá estou só caiaram por fora uma vez”.
A foto que escolhemos para este Golpe de Vista mostra a parede de uma das casas demolidas, com estrelas, sois, luas e planetas, pintados de amarelo, laranja e vermelho, sobre um fundo azul celeste. Provável memória recente de um quarto de criança, que ali terá sonhado ser astronauta, ou sabe-se lá o quê… Quem sabe se será mais feliz no futuro, encaixotado num confortável apartamento sem memórias?
Carlos Vieira e Castro