No passado dia 17, o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) de Viseu realizou uma tertúlia sobre Aristides de Sousa Mendes, em que foram oradores Jorge Adolfo (docente da Escola Superior de Educação de Viseu), Teresa Cordeiro (docente da Escola Secundária Emídio Navarro) e Carlos Vieira (vice-presidente da Associação Olho Vivo) moderados por João Magalhães (Técnico do IPDJ- Viseu).
O mote para o debate foi dado pela projecção do documentário “Loucura de um Justo – Aristides de Sousa Mendes” de João Sousa, por uma performance teatral da Zunzum – Associação Cultural (ver foto) e pelas exposições “Shoah” de António Nunes Farias e Mário Raposo, pela Reportagem Fotográfica de Jorge Adolfo (sobre campos de concentração e extermínio nazis) e “Defender os Direitos Humanos na Banda Desenhada” do GICAV.
Kant sintetizou a sua ética no seguinte axioma: “Age apenas segundo as máximas que possas ao mesmo tempo querer que se tornem leis universais”.Mas a universalidade dos Direitos Humanos é ainda hoje posta em causa pelo chamado “relativismo cultural”. Há também quem tente justificar ”a posteriori” o desrespeito pelos Direitos Humanos com o “espírito da época”. No entanto, sempre houve homens e mulheres que ousaram levantar a voz contra a injustiça e a opressão no seu tempo. Foi o caso de Frei Bartolomé de Las Casas, o dominicano defensor dos índios na obra “Brevíssima Relação da Destruição das Ìndias, que por volta de 1550 escreveu um opúsculo em defesa dos guanches e dos negros, contra a escravização pelos espanhóis e pelos portugueses seus contemporâneos.
Precisamente cem anos mais tarde o nosso padre António Vieira no primeiro sermão que pregou em S. Luis do Maranhão (Brasil), invectivou os colonos portugueses a libertarem os índios que escravizavam e ousou enfrentar o Tribunal do Santo Ofício português na defesa dos cristãos-novos de origem judaica. Também os filósofos franceses do século XVIII, Montesquieu, Voltaire e Rousseau, denunciaram a escravatura dos índios pela Espanha, onde imperava o fundamentalismo católico.
Voltaire escreveu em 1736 a peça “Alzire ou les Américaines” sobre o drama de uma princesa india do Peru escravizada, que, representada a bordo de uma navio que saiu de França rumo às colónias francesas nas Américas, comoveu os passageiros e a tripulação que assistiram, esquecendo-se todos, porém, que no porão do navio ia um carregamento de escravos negros para os engenhos da cana do açúcar.
De certo modo é o que acontece hoje nesta Europa em que se dá como adquirido o direito à liberdade, mas criam-se cada vez mais leis que reforçam a Europa fortaleza, leis como a directiva de retorno, que as associações de imigrantes e de defesa dos direitos humanos chamaram “directiva da vergonha”, aprovada pelo Parlamento Europeu, em 2008, Ano Europeu para o Diálogo Intercultural, que prevê a expulsão de imigrantes, incluindo crianças, que não tenham a sua situação documental regularizada, podendo ficar detidos até 18 meses e condenando-os à interdição de reentrar na Europa por um período até cinco anos, incrementando, assim, a imigração clandestina e condenando os imigrantes a condições de trabalho esclavagistas ou lá perto. Esta lei violadora dos Direitos Humanos já foi condenada por 44 países de África e da América Latina (incluindo o Brasil), pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, pela Amnistia Internacional, pela Federação Internacional dos Direitos Humanos, pelo antigo presidente da CE, Jacques Delors, entre muitos outros políticos e pessoas do mundo da cultura. Foi recentemente integrada na legislação portuguesa.
Em 2011 morreram mais de 1,5 mil pessoas na travessia do Mediterrâneo, que outrora ligou culturalmente os povos das duas margens e é hoje palco de um novo holocausto, uma vala comum de imigrantes subsarianos…refugiados económicos e sociais.
A Europa que derrotou o nazismo e a sua política de aniquilação de judeus, assistiu recentemente à expulsão e repatriamento forçado de ciganos oriundos da Roménia e da Bulgária, por parte do governo francês um atentado aos direitos humanos que já foi
condenado pela ONU, pelo Papa, pelo Parlamento Europeu e pela Comissária Europeia
de Justiça que abriu um processo judicial contra o governo de Sarkozy por violação da
legislação europeia.
Las Casas, o Padre Vieira e Aristides de Sousa Mendes limitaram-se a cumprir o princípio ético “ A OBRIGAÇÃO DE AJUDAR” (Peter Singer, “Ética Prática”).
Houve outros diplomatas portugueses que passaram vistos a refugiados (Sampaio Garrido e Teixeira Branquinho, em Budapeste, salvaram cerca de mil judeus; Alfredo Casanova, em Génova e Agenor Magno, em Milão, mas Aristides foi o mais punido, por a guerra ainda estar no princípio e Salazar acreditar que Hitler ganharia.
A DESOBEDIENCIA CIVIL numa sociedade democrática, justifica-se, diz Pete Singer, quando uma “decisão do poder não representa uma expressão genuína da opinião da maioria”, ou ainda quando a decisão seja a expressão genuína da maioria, mas esteja tão errada que se justifica agir contra a maioria”.
Para Hannah Arendt a desobediência civil é um direito humano fundamental. Em casos limite de desintegração de poder pode dar lugar ao direito à revolução.
A desobediência civil advém do DIREITO DE RESISTÊNCIA. Este foi consignado na Declaração de Independência dos EUA, de 4 de Julho de 1776, como o direito do povo abolir ou instituir um novo governo se ocorrerem abusos ou usurpações despóticas. Também o artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, consagra o direito de resistência à opressão.
A Constituição da República Portuguesa no seu artigo 21º (Direito de resistência), assegura que “todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer á autoridade pública.”
O constitucionalista Gomes Canotilho aponta ainda o artigo 7º (Relações internacionais) segundo o qual “Portugal reconhece o direito dos povos à auto-determinação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as forma de opressão.”
Mas este direito de resistência já aparecia nas Constituições de 1838 e de 1933.
A jornalista Diana Andringa, autora do guião e textos do documentário de Teresa Olga, “Aristides de Sousa Mendes, o Consul Injustiçado”, surge no filme a mostrar um livro de Direito de 1915, onde, entre os deveres do funcionário, se encontra o dever da desobediência.
Durante o debate no IPDJ um conhecido militante do CDS disse que Salazar cumpriu o seu dever ao castigar Sousa Mendes. Na verdade quem cumpriu o seu dever foi o cônsul que salvou 20 a 30 mil refugiados dos bombardeamentos e das perseguições dos nazis, incluindo cerca de 10 mil judeus, ao decidir desobedecer a ordens expressas de Salazar, correndo o risco de condenar à miséria a sua numerosa família, que, efectivamente, teve de recorrer à sopa dos pobres, em Lisboa.
Por isso, Salazar, que deu ordens para recambiar da fronteira de Vilar Formoso um comboio carregado de judeus (só não foram mais devido às pressões dos EUA e dos ingleses para Portugal se manter neutral) ficou na História como um ditador e um assassino, enquanto Aristides, que salvou 30 mil refugiados do extermínio nazi, ficará para sempre como um herói e um justo exemplar.
Carlos Vieira e Castro